Esquerda em Hollywood, Parte II; ou “Bem vindos ao Clube da Luta.”… Por Murilo.

Desrespeitando claramente a primeira regra do Clube da Luta, e também a segunda, esse texto vai procurar entender se não estaria aqui um melhor exemplo do que Zizek chamou de “Verdadeira Esquerda de Hollywood.” Na verdade, antes de deixarmos Zizek para trás e prosseguirmos, fica a pergunta: “Por que diabos ele não escolheu esse filme?”

“Clube da Luta”, de David Fincher (1999), é uma adaptação do livro homônimo de Chuck Palahniuk (1996). O filme faz uma crítica aberta à sociedade consumista, a alienação pelo trabalho e pelo dinheiro, ao direito constituído da propriedade privada, entre outros pilares da nossa estimada sociedade capitalista liberal atual. Essas críticas todas são feitas baseadas na história do personagem central, vivido por Edward Norton, e se passa na forma de um “drama psicológico” de dupla personalidade.¹ Porém além de todas essa características óbvias “de esquerda”, podemos encontrar também, ainda que de maneira mais tímida e indireta, os valores “espartanos” de esquerda propostos por Zizek: a disciplina e o espírito de sacrifício. A disciplina fica caracterizada, ainda na fase clube da luta do filme, antes do início do “Projeto Destruição”, pela obediência às regras do clube e pela transformação física de seus participantes, que ao contraio do esperado, se tornam cada vez mais fortes, passam de “bundas de gelatina” à “esculpidos em madeira” – paradoxalmente, o clube se transforma em uma razão para manter a saúde em dia, e se livrar dos excesso mc’donisticos do consumismo. O espírito de sacrifício também é demonstrado de maneira direta e indireta de várias formas, gostaria de chamar a atenção à cena em que Lou, dono da taberna que empresta seu porão como cenário para que as lutas aconteçam, tenta enquadrar os participantes de maneira fascistoide e Tyler (Brad Pitt) se deixa espancar para depois cuspir seu próprio sangue na cara de Lou; é a “loucura” – superação do medo e da dor – que amedronta o fascista e, “salva” o clube.

Saltando para o final do filme, é interessante notar que o que abala o “Projeto Destruição” é a morte de um membro fraco do grupo aceito num “momento” de fraqueza do personagem de Edward Norton, que desencadeia nele uma crise de consciência burguesa que quase salva o sistema financeiro. ¿Essa crise de consciência poderia invalidar uma leitura Zizekiana, na mesma medida do que ocorre com o 300, isso é, no fim das contas, o filme propõe uma “revolução sem revolução”? Nesse momento somos salvos pelo ‘quase’. A crise de consciência quase salva o sistema, mas não salva: os prédios explodem, os registros são apagados, e voltamos para as cavernas pré-capitalistas desabilitando o montante maior de valores para o consumo. Em outras palavras, o plano de Tyler Durden funciona! Talvez até melhor do que se esperava! Na medida em que a crise de consciência desarticula a própria organização do “Projeto Destruição”, a sociedade que nascerá das cavernas não tem uma organização dominante, nem mesmo a organização que a construiu – destruindo a velha. Cria-se, portanto, a condição de possibilidade da auto-organização social ao mesmo tempo em que se salva o indivíduo.

Robert Poulson nada mais é do que a criança defeituosa não sacrificada no nascimento em Esparta, ou então, o soldado fraco, que não pode por incapacidade física defender o soldado irmão à sua esquerda da coxa ao pescoço, e enfraquece toda a formação. Se em Esparta paga-se caro por deixar o fraco sobreviver, pois é ele que retira a possibilidade da vitória gloriosa e absoluta dos 300 sobre o exercito de Xerxes, no “Projeto Destuição” a morte estratégica do fraco é ponto fundamental para o sucesso absoluto do plano. Esparta rejeita o fraco, e o sacrifício dos próprios espartanos torna-se vital para a vitória; o Projeto Destruição aceita o fraco e o sacrifica estrategicamente, tornando-o vital para o sucesso. São os dois lados do dito preço a se pagar pela liberdade em que reside um perigo que mereceria melhor reflexão.

Mas o fato é que, o desfecho do “Projeto Destruição” seria então o evento ontológico básico para a sociedade espartana; no sentido de que os 300 soldados que se sacrificaram, o fizeram por uma sociedade que já era livre “da mistica e da tirania”, enquanto que os “clubistas” se empenharam em construir tal sociedade, atacando de dentro a mística do fetiche da mercadoria e as diversas formas tiranas de alienação da sociedade capitalista. Nesse sentido, o que Clube da Luta faz é preparar o terreno para essa Esparta – ainda que nem tão espartana assim – de Zizek; e mais ainda, preparar o espírito para quem realmente quer, nos dias de hoje dentro de uma sociedade como a ocidental, lutar por racionalidade e liberdade.

 

1 – Sim, isso foi um, ou melhor o, spoiler.

3 comentários

Filed under cultura, opinião

Esquerda em Hollywood, part I: Os “300” de Zizek, ou, os dois lados da ideologia… por Murilo Milek.

Tudo bem, eu confesso! Esse texto é um texto fingido. Como ultimamente eu tenho falado muito sobre política, e tenho usado muito o Zizek como referencia, dessa vez eu resolvi mudar; mas é uma mudança aparente. Eu vou fingir que vou falar de cinema, mas vou falar de política, e sim, vou usar o Zizek como referência – mais especificamente o texto “A verdadeira esquerda de Hollywood”, que esta no livro “Em Defesa das Causas Perdidas” (Boitempo) –, pelo menos de início, porém, de maneira mais crítica que o de costume. Outra peculiaridade desse texto é que ele será dividido em 3 partes, isso porque ele ultrapassa o formato aceito pela maioria dos leitores de blog por aí – ao que parece, a preguiça intelectual não se limita aos “telespectadores” de vlogs.

“No século V a.C., uma superpotência global estava decidida a levar a verdade e a ordem a dois estados considerados terroristas. A superpotência era a Pérsia, incomparavelmente rica em ambição, ouro e homens (e por que não, em tecnologia também). Os estados terroristas eram Atenas e Esparta, cidades excêntricas de uma região atrasada, pobre e montanhosa: a Grécia.”* Com essa citação Zizek começa a chamar a atenção ao paralelo claro da história com nossa atualidade – a gerra entre EUA e o Oriente não-alinhado –, ele começa, a partir de então, a mostrar porque considera o filme “300”(2007), de Zack Snyder, como o retrato possível de uma “verdadeira esquerda de Hollywood.” Segundo ele, as principais armas da Grécia pobre e atrasada contra o Império rico e desenvolvido dos persas foram a disciplina e o espírito de sacrifício; citando Badiou, ele concorda que precisamos (nós, a esquerda subdesenvolvida) sim de uma disciplina popular como forma de organização, e que dê capacidade ao povo para agir em conjunto. Preocupado com a ação política na atualidade, o autor aponta que chegou a hora dela (a esquerda) se (re)apropriar desses valores – disciplina e espírito de sacrifício – pois não há nada de inerentemente fascista neles, como a ideologia permissiva hedonista dominante tenta fazer parecer. Voltando ao filme, um ponto que joga água no moinho de Zizek, é o modo como o Rei rejeita a mensagem do oráculo e parte para a guerra: os sacerdotes, a religião no filme, são representados como “restos de um tempo anterior à saída de Esparta da escuridão; restos de uma tradição sem sentido.” Além disso, a luta grega é definida no final do filme como: “contra o reinado da mística e da tirania; rumo ao futuro brilhante”; definido como o domínio da liberdade e da razão; o que soa, segundo Zizek, como o programa básico do iluminismo, “até com um toque comunista!”, e porque não, ateísta. Por fim, o autor chama a atenção, buscando apoio histórico, para outros “radicais igualitários” que admiravam e mantinham vivo, de certa forma, o legado espartano; como Rousseau e os Jacobinos, além de Trotsky e outros.

O problema desse texto de Zizek é um tipo de problema, curiosamente, zizekiano. Concordo com a argumentação de Zizek, pelo menos ele escolhe bem os pontos de defesa de sua tese e são pontos suficientes para se dar crédito à ela. O problema do texto reside no fato de que o autor dispensa muito rapidamente e sem dar a devida atenção, características essenciais da sociedade Espartana: como o “totalitarismo”, a escravidão e a prática assassina de usar as populações mais fracas, que viviam perto de Esparta, para treinar suas tropas – o filósofo nos diz que há um “âmago emancipatório” na disciplina espartana que sobrevive a tudo isso, mas não trata do que seria esse âmago. O problema de se ignorar tudo isso sem o devido exame é que são, justamente, características essenciais de Esparta; assim, a impressão que o autor passa é de querer uma Esparta sem Esparta, ou elogiar uma Esparta nem tão espartana assim; isso é, Zizek acaba caindo no mantra pós-moderno do qual ele mesmo é um dos maiores críticos: a coisa sem a coisa, a des-substancialização promovida pela ideologia dominante. O esforço do autor em se “evitar de jogar o bebê com a água suja do banho” é valido, mas produz essa sensação de distorção ideológica que ele mesmo chama a atenção em outros momentos e critica.

Outro aspecto que se pode criticar do texto é de que os valores defendidos – disciplina e espírito de sacrifício – são valores de guerra, e que portanto, para a conjuntura atual, eles seriam de maior interesse para os países em guerra, ou em eminência de guerra, com o Império Capitalista, mas que porém pouco serviriam à esquerda de países ocidentais (alinhados); para esses, o texto vale mais como um apontamento histórico para a constituição sólida de um passado; uma história dos valores de esquerda; e muito pouco para uma prática de ação política atual. Sem dúvida esses valores e esse programa descritos pelo autor são importantes para a defesa de um ideário igualitário, porém, ao tomar o filme, e Esparta, como exemplos, o autor se esquece de que o que aquela sociedade fez foi defender valores já constituídos daquela forma, e não lutar para implementar esses valores, que é o problema da ação política de esquerda no ocidente. Portanto, se faz necessário, um empreendimento “pré-espartano”, por assim dizer, para o texto de Zizek e para a ação política de esquerda no Ocidente, a fim de se preparar o terreno para que esses valores possam ser retomados.

É possível encontrar no cinema exemplos que deem conta desse empreendimento? Isso é, quais filmes representariam melhor uma “esquerda de Hollywood”? O próximo texto tentará defender que “Clube da Luta”(1999), de David Fincher, é um óbvio exemplo dessa esquerda, e que sim, da conta do tal empreendimento….

*Tom Holland, “O Fogo Persa”, in. Zizek, “Em Defesa das Causas Perdidas/ A verdadeira Esquerda de Hollywood”(Boitempo; 2011); parenteses nossos.

8 comentários

Filed under cultura, opinião

Será mesmo o fim do amor Xico Sá?… Por Camila Sant’Ana

O que me impulsionou a escrever esse texto foi uma crônica de Xico Sá: “Como se escreve o fim do amor?”
Nela, Xico Sá coloca como só a mulher é capaz de colocar um “ponto final” no amor. O homem, por sua vez, adia, disfarça,vai comprar cigarro na esquina e deixa lá reticências no fim do amor. Além disso, não é assim que o amor deve terminar. A mulher, que põe exclamações no fim do amor, está coberta de razão. “O amor, se é amor, não se acaba de forma civilizada”. Segundo ele, o amor deve acabar com um bom barraco, com ofensas de ambos os lados e muito sofrimento depois. Sofrimento que exige um período de luto, em que a pessoa não consegue se entregar a nenhuma outra. É assim que o amor deve acabar, abruptamente, e com um rastro de dor. Se o amor acaba civilizadamente, com um comprimento calmo e tranqüilo, ele não estava mais lá, se foi na verdade algum tempo, ou muito tempo antes disso.
Deixarei de lado a questão de “quem” põe ponto final no amor, pois isso me pareceu um tanto arbitrário e pouco demonstrável; no texto, Xico delega à mulher tal função. Já sobre o “como” deve acabar o amor, o que me intrigou na crônica, é o certo desmerecimento dos relacionamentos que “acabam bem”, já que ali não tem amor, enquanto o outro relacionamento, que acaba em barraco, esse sim é prova de amor. Não discordo em nada no ponto em que quando o relacionamento acaba bem, o amor não estava mais lá. Ele pode ter acabado de pouco em pouco dia-a-dia, e o relacionamento ficou… por comodismo, ou respeito, etc. Nesse ponto sim, um fim de relacionamento civilizado, já não tem amor.
Mas e quando o relacionamento termina em briga, prato quebrado, arranhão e todas essas delicadezas, o ponto final foi no amor? A raiva que é manifestada na briga só pode ser símbolo de consideração, de amor! O sofrimento, o choro, a resignação que vem depois disso, no que Sá chamou de “período de luto”, também é sinal de que ainda tem algum amor ali.
O meu ponto é: o barraco não caracteriza o fim do amor, mas da possibilidade de convivência, devido à raiva, e ao sofrimento que o ser amado agora causa. O luto então, se refere ao relacionamento, ao contato, mas não ao amor. O amor, por mais que se negue, voltou junto na bagagem, com os livros e os discos, e ficou ali, quieto às vezes, e às vezes nem tanto assim. Talvez ele vá acabando de pouco em pouco, dia-a-dia da mesma forma como aconteceu no relacionamento que acabou bem. E o período de luto do relacionamento vai acabar quando, aí sim, o amor acabar completamente, e a possibilidade de civilidade – que seria o não precisar de enfrentamento, rancor ou sofrimento entre os envolvidos – for restaurada.
A trajetória de um casal que terminou em barraco, comparada a de um que terminou em calmaria, não teve mais amor, ou intensidade. O que acontece, é que em ambos os casos, o fim do amor não acontece ao mesmo tempo em que o fim da relação.
O amor mesmo, aquilo que a gente sente pelo outro estando perto ou longe, se alegrando ou sofrendo, não pode acabar assim, com um tapa na cara. Ele se espanta; se ressente; e se recolhe, até diminuir de mansinho, de maneira que, acredito eu, seja até mais civilizada da parte dele, do que nos deixar como quem saiu correndo, com um vazio ferrenho e sem a possibilidade de lembrar do ser amado com algum respeito.  Até por que, amor, se é amor, deixa alguma marca boa na gente.

A crônica pode ser lida aqui:  Folha , no post: “Educação sentimental: como o amor acaba(I)”

8 comentários

Filed under bom gosto, opinião

“Para que serve a comunicação?”¹ de José Saramago²

Em épocas de ataques à liberdade na internet, e também, por que não, da sua supervalorização, vale a pena ler a seguinte reflexão. Um ótimo texto desse gênio da lingua portuguesa.
“As novas tecnologias da comunicação multiplicam de modo excepcional a quantidade de informações disponíveis. Isso é ao mesmo tempo fascinante e inquietante. Fascinante porque se nota que transformações muito positivas, em matéria de educação e formação, estão ao alcance da mão. Inquietante porque tudo isso mostra um mundo sobre o qual pairam as ameaças de desumanização e de manipulação.
Um grande filósofo espanhol do século XIX, Francisco Goya, mais conhecido como pintor, escreveu um dia: “O sonho da razão engendra monstros”.
No momento em que explodem as tecnologias da comunicação, nós podemos perguntar se elas não estão a caminho de engendrar monstros de um novo tipo. Certo, essas novas tecnologias são elas mesmas o fruto da reflexão, da razão. Mas se trata de uma razão desperta, no verdadeiro sentido da palavra, isto é, atenta, vigilante, crítica, obstinadamente crítica?
Ou se trata de uma razão sonolenta, adormecida, que no momento de inventar, criar, imaginar e criar, imagina efetivamente monstros?
Ao final do século XIX, quando a ferrovia se impôs como um avanço em matéria de comunicação, alguns espíritos atrasados afirmavam que essa máquina era aterrorizadora e que, nos túneis, as pessoas morreriam asfixiadas.
Eles sustentavam que a uma velocidade superior a 50km/h o sangue sairia pelo nariz e pelas orelhas e que os viajantes morreriam em meio a terríveis convulsões.
Esses são os apocalípticos, os pessimistas profissionais. Duvidam sempre do progresso da razão, a qual, segundo os obscurantistas, não pode produzir nada de bom. Mesmo que eles estejam profundamente equivocados, devemos admitir que quase sempre os progressos são bons e maus ao mesmo tempo.
A Internet é uma tecnologia que não é nem boa nem má em si. Só o uso que se fará dela é que nos conduzirá a um julgamento. É por isso que a razão hoje, mais do que nunca, não pode adormecer.
Se uma pessoa recebesse em sua casa, por dia, 500 jornais do mundo inteiro, provavelmente seria considerada louca; e seria verdade, pois quem senão um louco pode se propor a ler 500 jornais por dia?
Alguns esquecem essa evidência quando se satisfazem anunciando que no futuro, graças à revolução numérica, nós poderemos receber 500 canais de televisão.
O feliz assinante dos 500 canais será inevitavelmente tomado de uma impaciência febril que nenhuma imagem poderá saciar. Ele vai se perder num labirinto vertiginoso de zapping permanente. Consumirá as imagens, mas não se informará.
Diz-se às vezes que uma imagem vale mais do que mil palavras. É falso. As imagens têm quase sempre a necessidade de um texto explicativo. Foi dito que graças às novas tecnologias nós chegaríamos no futuro à beira da comunicação total. A expressão é enganosa, ela deixa crer que atualmente a totalidade dos seres humanos do planeta possa comunicar-se.
Lamentavelmente isso não ocorre. Apenas 3% da população da Terra têm acesso a um computador: e os que utilizam a Internet são ainda menos numerosos. A imensa maioria de nossos irmãos humanos ignora até hoje a existência dessas novas tecnologias.
Neste momento eles não dispõem das conquistas elementares da velha revolução industrial: água potável, eletricidade, escola, hospital, estradas, trens, refrigeradores, automóveis etc. Se nada for feito, a atual revolução da informação passará igualmente ao largo dessas pessoas.
 A informação só nos torna mais sábios se ela nos aproxima das pessoas. Assim, com a possibilidade de ter acesso, à distância, a todos os documentos dos quais necessitamos, o risco de desumanização e de ignorância aumenta.
No futuro, a chave da cultura não está na experiência e no saber, mas na atitude de buscar a informação nos múltiplos canais que oferece a Internet. Pode-se ignorar o mundo, não saber em que universo social, econômico e político se vive, e dispor de toda a informação possível.
A comunicação deixa, assim, de ser uma forma de comunhão. Como não lamentar o fim daquela comunicação real, direta, pessoa a pessoa?
Com obsessão, vê-se concretizar o cenário do pesadelo anunciado pela ficção científica: cada qual fechado em seu apartamento, isolado de tudo e de todos, na solidão mais terrível, mas ligado na Internet e em comunicação com todo o planeta. O fim do mundo material, da experiência, do contato concreto, carnal…a dissolução dos corpos.
Pouco a pouco nos sentimos tomados pela realidade virtual. Esta, apesar do que se pretende, é velha como o mundo, velha como nossos sonhos. E nossos sonhos nos conduziram a universos virtuais extraordinários, fascinantes, a continentes novos, desconhecidos, onde vivemos experiências excepcionais, de aventuras, de amores, de perigos. E às vezes a pesadelos. Contra o que nos advertiu Goya.
Sem que isso signifique entretanto o fim da imaginação, da criação e da invenção, pois por isso se paga muito bem.
É acima de tudo uma questão de ética. Qual é a ética daqueles que, como o sr. Bill Gates e Microsoft querem a todo custo ganhar a guerra das novas tecnologias para obter o maior benefício pessoal?
Qual é a ética dos raiders e dos golden boys que especulam na bolsa servindo-se dos avanços da tecnologia da comunicação para arruinar os Estados ou levar à falência centenas de empresas pelo mundo afora?
Qual é a ética dos generais do Pentágono que, aproveitando-se dos privilégios do progresso, das imagens sintéticas, programam mais eficazmente seus mísseis tomahawk para semear a morte?
Impressionada, intimidada pelo discurso modernista e tecnicista, a maioria dos cidadãos capitula. Eles aceitam adaptar-se ao novo mundo que se anuncia como inevitável. Já não fazem nada para opor-se. São passivos, inertes, cúmplices. Dão a impressão de haver renunciado. Renunciado a seus direitos e a seus deveres. Em particular, ao dever de protestar, de levantar-se, de sublevar-se.
Como se a exploração tivesse desaparecido, e a manipulação dos espíritos tivesse sido extinta.
Como se o mundo estivesse sendo governado por inocentes, e como se a comunicação tivesse se tornado subitamente um assunto de anjos.”

 

¹ Este artigo foi originalmente publicado na revista Manière de Voir, do grupo editorial do Le Monde, edição de julho e agosto de 1999.

² José Saramago (1922 – 2010), escritor português, Prêmio Nobel de Literatura em 1998, e queridinho da Igreja Católica.

PDF

9 comentários

Filed under cultura, Filosofia de Butéco (Botéco), opinião

A Mensagem básica… Por Murilo!

É só não ligar a tv

 

A Rede Globo de Comunicações nunca foi uma entidade a ser respeitada por qualquer pessoa com o mínimo de senso crítico saudável, porém, ultimamente tem se esforçado muito em baixar o seu próprio nível; o que pensávamos ser impossível. Desde a cobertura esportiva e jornalística que nos brinda todos os dias com o mais clássico dos paradoxos da ideologia: o ser claro e indireto – as tendencias políticas e regionais estão lá para todo mundo ver¹, mas que são negadas em um discurso direto – até a produção de peças de “entretenimento”, que conseguiram até ter alguma qualidade a ser reconhecida em minisséries do passado; tudo tem se tornado, ou pelo menos se revelado, o mais alto dos desserviços à cultura nacional.
Dadas as exigências do formato de um blog, vou me concentrar somente em algumas das mensagens básicas das últimas produções globais. Primeiro, o caso do pseudo-estupro do BBB (Big Bosta do Bial). Primeiro se anunciou que um dos participantes infringiu uma regra do programa, a regra era “Não farás sexo!”, como se expulsou só um participante, subentende-se que a outra envolvida na história não consentiu, e portanto, foi estuprada; o que foi desmentido pela participante em depoimento; tudo muito estranho, e várias questões surgem: “Foi um golpe de marketing do Bial?”, “um golpe estratégico do moçoila para expulsar o concorrente?”, “uma tentativa de conseguir um patrocínio da Jontex?”, “Por que a moça, que assumiu o consentimento da gratinada, não foi expulsa também?” Mas minha questão aqui é a seguinte: confina-se uma série de casais, todas pessoas atraentes, faz-se uma série de festas na casa regadas à champanhe, lap dance e pouca roupa, e ainda, colocam entre os participantes uma produtora de filmes eróticos e um homossexual, que por seu trato com a sexualidade são reprimidos pela sociedade, e que por conta desse caráter polêmico, geram assunto; há toda uma insinuação e um incentivo ao sexo, e um esforço por trazer à tona tensões sexuais, porém, não se pode fazer sexo, isso é, vende-se o espetáculo da intimidade alheia mas veda-se o verdadeiramente íntimo; a mensagem básica aqui é mais um verso do mantra pós-moderno da coisa sem a coisa: é a realidade editada, a intimidade não íntima, a cerveja sem álcool, o sorvete sem gordura, o café descafeinado, o protesto sem violência, a revolução sem terror, enfim, a substância dessubstanciada que permite a tudo que é sólido se desmanchar no ar, como alguém já disse…
Outro caso claro de manipulação ideológica sem vergonha é a série “Dercy de Verdade”; o título já entrega o jogo. “Esqueça tudo que você ouviu falar sobre Dercy Gonçalves. Todos conheceram a “obra” de Dercy, mas nós da Globo à conhecemos além disso e vamos mostrar agora, ela mesma, de verdade!” Qualquer brasileiro com mais de 20 anos de idade sabe algo sobre Dercy Gonçalves, nem que seja só que ela era “A veia louca que falava palavrão no Faustão”; mas ela foi sim uma das mais “punks” e “porra-louca” atrizes desse país. Falava o que queria, quando queria, cagava para uma série de convenções sociais e, claro, soube usar isso em favor de seu bolso, o que se não é nobre, pelo menos lhe garante algum espaço para trabalho e alcance da sua mensagem, e além do mais, essa “falta de nobreza” revela mais sobre nossa sociedade do que sobre o caráter dela.  Porém, a imagem deixada por ela – “imagem” talvez seja o que de melhor um ator pode deixar à posteridade – era de uma mulher subversiva e autêntica, aliás, foi o que fez a Globo contratá-la e deixá-la na “geladeira” por quase toda sua vida. E a imagem era tão perturbadora que só o congelamento da véia e sua morte não foi suficiente para amaciar o travesseiro dos defensores da moral e dos bons costumes; era preciso dessubstanciar a imagem mesma! A mensagem básica aqui é: ela passou a vida inteira construindo e se apoiando numa imagem de porra louca subversiva, mas no fundo (isso é, na nova imagem que a globo montou), ela era uma mulher batalhadora apegada, ainda que a seu modo, aos valores da família e era um belo ser humano, eis a verdade sobre Dercy Gonçalves. Portanto, esqueçam sua velha imagem, e acomodem-se de volta em sua vidinha normal e “verdadeira”. Ou ainda, de forma mais atômica: “Esqueçam essa de subversão e voltem a pastar!”
Já no caso de “O Brado Retumbante” e da novela das nove a coisa é um pouquinho diferente. Trata-se do elemento sorte. A situação econômica do pobre só melhora por sorte e a situação política do país só pode melhorar na cagada.² Novelas nunca foram boas, mas sem dúvida “Fina Escrota” é a pior das que minha sogra, veladamente, me obrigava a ver. Ela toda é um pavor estético feito da colagem de esteriótipos patéticos. A mensagem básica é: melhorar de vida é ganhar dinheiro. Griselda já era moralmente bem formada, mas só se torna feliz quando ganha na loteria e foge da comunidade pobre para o condomínio de luxo. A novela é feita claramente para atingir a classe C emergente no país, e tudo se passa como se esta fosse composta desses esteriótipos ridículos e como se ela fosse emergente por pura sorte, e não por conta de seu trabalho e outras situações políticas e sociais que a Globo tenta a todo custo fingir que não existe.
O Brado Retumbante vai mais ou menos na mesma linha. O personagem central – uma mistura raríssima da ingenuidade da esquerda universitária, com a manipulabilidade de um Severino Cavalcanti, o discreto charme direitista ligth de um Aécio Neves e a pseudo-malandragem de um populista – vira presidente da república por sorte. Pode-se usar como desculpa para a caracterização bizarra do personagem uma possível imparcialidade mas a história revela o contrário. A mensagem básica aqui pode ser bastante variada: desde um lamento carpideiro do tipo “Ah se fosse um Aécio no lugar do Severino, a gente tinha dado um jeito no Lula.”, ou então uma dica “Ponham um Aécio lá que a gente da um jeito de acidentar a  Dilma e o Temer .” Minha mensagem eleita para o texto é a seguinte: o país pode melhorar (para Globo, é claro) mas não com o executivo que está aí! Aliás, como o nobre Zizek assombra todo esse texto, vale a pena citá-lo: “Na Fenomenologia do Espírito, Hegel menciona a “silente tecedura do espírito”: o trabalho secreto de mudança das coordenadas ideológicas, predominantemente invisíveis aos olhos do povo, que de repente explodem e pegam todos de surpresa.” E engordando essa  “silente tecedura do espírito” temos ainda a famigerada foto, que foi sucesso absoluto entre os conservadores e os mais babacas dos leitores do Estadão, da presidente Dilma sendo “atravessada” por uma espada militar em frente ao Palácio do Planalto; foto que revela o desejo oculto e o crescente ódio à democracia nos quadros conservadores do país, “não basta só derrubar o eleito, temos de matá-lo” pensa a elite. Mudança das coordenadas ideológicas ou mera coincidência? Bom, eu já passei da fase de acreditar em coincidências nesse nível…
Dia 25 de Janeiro foi eleito nas redes sociais como o dia sem Globo, pois bem, o que proponho é simples e direto, que todo dia seja um dia sem Globo, ou então, o que também é direto mas nada simples, que façamos o mínimo de esforço interpretativo e crítico daquilo que vemos, e paremos de nos comportar como vegetais perante a TV. Porém, mais que propor um movimento qualquer, a mensagem básica do texto é: preste a atenção às mensagens básicas e deixe de ser ingênuo, o que realmente importa para a vida não vai passar na TV.

1 – Ou não ver, como no caso “Privataria Tucana”. Se bem que nesse caso, o tiro acaba por sair pela culatra, pois o silêncio da grande mídia fala mais que qualquer discurso sobre ela.
2 – Para usar a gíria da malandragem dos anos 90.

13 comentários

Filed under bom gosto, cultura, opinião

Rousseau, D’Holbach, e a corte “Caindo no Ridículo”… por Camila Sant’Ana.

Olá pessoas, eu sou a Camila, a mesma que escreveu aquele texto sobre Sade há pouco tempo atrás, e hoje eu venho aqui no blog para falar de um filme que retrata bem os séculos XVII e XVIII em um aspecto específico, mas essencial: a sociedade de corte, e como a política era influenciada pelas relações pessoais e pelos costumes da época. “Ridicule”, ou “Caindo no Ridículo”, é de 1996 do diretor francês Patrice Leconte.

Com inspiração em uma máxima do Duque de Guines, presente nas memórias da Condessa de Boigne,, o filme expõe com diversidade e clareza seu sentido: “Os vícios não são preocupantes, mas o ridículo, pode matar.” A frase que se refere ao modelo de costumes exigido na corte francesa dos séculos XVII e XVIII não é, como aparenta, exagerada. Nesse ambiente, costumes não são apenas questão de etiqueta. A maneira de agir de um cortesão pode levá-lo até o contato próximo ao rei se bem manejados, ou à maior das desgraças.

Então, acompanhamos um engenheiro hidrográfico Grégoire Ponceludon de Malavoy preocupado com a saúde de seus camponeses chegando à corte, com a esperança de ter seu projeto aprovado pelo Rei Luis XVI. Mas, pouco importa a qualidade ou precisão do projeto, o que importa é que a conduta de nosso protagonista se sobressaia a dos demais.

Já que os vícios não têm relevância, e ser ridicularizado é o grande mal a ser evitado, e se é necessário subjugar o próximo para se sobressair, qual é o espaço para a virtude nesse cenário? Como o homem pode deixar transparecer seus sentimentos se sua forma de agir a todo o momento é medida e pesada, e caso fuja dos padrões, é descartada? Se suas conquistas em áreas profissionais dependem de sua conduta pessoal, qual é o espaço para a individualidade do sujeito?

Estas perguntas foram temas valorizados por vários autores e não se fixam apenas ao ambiente da corte. Autores da época tratam desta temática. D’Holbach, em sua obra satírica “Essai sur l’arte de ramper” (Ensaio sobre a arte de rastejar) refere-se ao cortesão como “um animal anfíbio no qual todos os contrastes se encontram comumente reunidos”. A difícil arte de rastejar seria desenvolvida pelo cortesão ao longo da vida, e consiste em saber dobrar-se às vontades de seu mentor, a ponto de anular as vontades naturais do homem, seu orgulho e amor próprio. O bom cortesão, perde seu orgulho em preferência a seus interesses, e mascara tal fato a ponto de poder fingir qualquer sentimento verdadeiro. O monarca seria então manipulado por estes cortesãos, a ponto de , em troca de falsos sorrisos e companhias, aumentar os impostos e financiar o luxo dos cortesãos.

Em Ridicule, o Abade de Vilecourt é um bom retrato do que descreve D’ Holbach. “É uma cobra, diz Bellegarde. Quando se cala, hipnotiza. Quando fala, já é tarde demais.” Forjando inclusive suas crenças, coloca a vontade do Rei acima de tudo, ao mesmo tempo em que recebe regalias por este “serviço” prestado ao monarca. Até que passa dos limites, deixando cair a máscara de sentimentos verdadeiros, e por isso é rechaçado.

Parece não haver espaço na corte nem para a espontaneidade e muito menos para a virtude.

Não importam as boas intenções de Ponceludon, nosso protagonista, o que importa é seu porte. Caso ele passe por cima dos desejos de alguém superior a ele na corte, ele sofrerá as consequências. É o caso da Condessa de Blayac, que ao ver que perdeu seu amante, não pode deixá-lo sair ileso, e vinga-se dele com a arma mortal que é o ridículo. Vemos também, que o sentimento verdadeiro não sobrevive por muito tempo nos cortesãos. A Condessa, que parece amar verdadeiramente Ponceludon não conhece outra linguagem além da cortesania para expressar seus sentimentos, ou seja, o jogo, o ridicularizar, o não se expor. O pretenso amor passa então ao interesse, que quando frustrado, precisa vingar-se.

Com isso, vemos a aproximação do enredo do filme ao que Rousseau coloca em seu primeiro discurso: Os bons modos quase sempre sempre coincidem com os viciosos. Estas “boas maneiras” encobrem as verdade nos corações dos homens. Parece então, que o aumento do polimento dos costumes é proporcional à distância que os homens tomam de si próprios.

O afeminamento dos homens põe todos numa mesma chapa, moldando-os, e destruindo a individualidade. Tornam-se então escravos dos costumes e se afastam da verdade.

“De modo algum se ultrajará grosseiramente o inimigo, mas jeitosamente o caluniaremos.” O que é retratado no filme, na forma como se faz o outro cair no ridículo.

Para Rousseau, em meio aos jogos da corte não há espaço também para a virtude. O próprio Ponceludon se corrompe ao tentar progredir, e sua amada Mathilde de Bellegarde, longe se ser viciosa ou corrupta, iria se casar com um velho rico detestável só para que ele financiasse suas pesquisas científicas.

Além disso, a promessa mortífera que o ridículo pode trazer se mostra literalmente com Baron de Guéret, e Le Chevalier de Milletail , que perdem suas vidas pela vergonha de serem ridicularizados. Ao se depararem com a morte, retomariam o orgulho perdido pelo ridículo. Mas, como D’ Holbach poderia dizer, o orgulho já havia sido subjugado apenas por participarem deste tipo de relação cortesã. A vida teria menos valor que este falso orgulho, o homem se entrega por completo a esse sistema, e a morte não retomará nem a individualidade, tampouco a virtude.

Assim, o pó de arroz não disfarça apenas as irregularidades da pele. Disfarça ainda mais as intenções dos homens, trazendo desconfiança e competição, o que pode realmente, até matar.

Watteau; "Les Plaisirs du Bal"

Deixe um comentário

Filed under bom gosto, cultura, opinião

Esquizofrenia Democrata-Cristã… Por, Murilo…

Seja na “primavera árabe” ou no inverno que foram nossas últimas eleições presidenciais, religião e democracia foram frequentemente tematizadas, analisadas e discutidas. São, sem dúvida, dois dos pontos mais quentes do cenário político atuante. Porém, a pesar da existência e da força de partidos ditos, e não ditos, “democratas cristãos”, pouco se questiona se a relação entre religião e democracia é válida.

Se pensarmos no fenômeno da religião poderemos, rapidamente, perceber que todas as religiões se baseiam numa “palavra sagrada”, pelo menos as religiões mais populares. Essa palavra é a palavra dada por deus, seja ele qual for, aos pobres humanos para que estes se guiem a fim de encontrar o paraíso divino num dado momento – comumente, e comodamente, após a morte. O problema é que, sendo Deus infinitamente perfeito, não há como sua palavra estar errada, e por isso não faz sentido para um homem de fé confrontar a palavra sagrada com outra não sagrada, profana. Se Deus falou, ta falado! Deve se fazer o que Ele disse, como Ele disse! No máximo no máximo, religiosos já iniciados, versados e, quase sempre, importantes membros das instituições religiosas, tem algum direito de interpretar a palavra, mas sempre para garantir um aumento da compreensão do texto e da fé de quem o lê; ele não pode encontrar erros na palavra sagrada, os erros são sempre de nossa interpretação, do mal uso da liberdade que Ele nos concedeu. E esse é o primeiro grande ponto de conflito com a democracia. Basicamente porque ela é um sistema em que a discussão de ideias, o debate, a liberdade de expressão, a possibilidade de se construir uma solução para os problemas, e mais, onde a possibilidade de se estar errado em suas crenças, devem existir sempre, como garantia de liberdade. As questões ética, ou de conduta dos cidadãos, são resolvidas através do diálogo, de debates e acordos, e não por consulta a um livro pronto e acabado que contém todas as verdades e é infalível por definição. Sem se garantir a possibilidade de discussão e de liberdade de expressão não pode haver uma democracia em sua essência; e com a palavra sagrada não se discute; por isso, democracia e religião não são só de naturezas diferentes como também de naturezas conflitantes; e a possibilidade de uma real democracia fica severamente comprometida em povos religiosos.

O sujeito democrata-religioso é um sujeito dividido entre a aceitação pela fé da palavra sagrada e dos dogmas de sua religião, e a possibilidade de questionar doutrinas, dogmas e discutir racionalmente.

Outro problema, especificamente* cristão e de ordem quase psicanalítica, é o trauma com a democracia que existe no seio da história de Jesus. A final de contas, reza a lenda que quem deu a última palavra pela soltura de Barrabás¹ e pela crucificação do primogênito Dele foi o povo, e consequentemente, condenou democraticamente Jesus à morte – aliás, dando um exemplo de democracia direta que deixaria muito grego com inveja. Essa história, como é narrada, apesar de não ser acompanhada por nenhum discurso anti-democrático, é uma alegoria crítica à democracia. A moral dela é que foi pelo exercício do poder do povo que Cristo foi condenado, foi esse poder que permitiu a Pilatos² “lavar as mãos”, e essa escolha que permitiu ao Magrão tirar uma com nossa cara na hora da morte dizendo que “Eles não sabem o que fazem”. Portanto, não é confiável dar ao povo o poder de decisões importantes, o que gera um certo problema para aquele velho ditado “A voz do povo é a voz de Deus”, e ainda, põe um trauma profundo na alma dos cristãos com relação ao exercício da democracia.

Recebemos, além da própria democracia, como herança dos gregos, a palavra “esquizofrenia”, que significa, grosso modo, “Alma Partida.” Esquizofrenia é também o nome de um transtorno psíquico severo que dentre os vários sintomas, o mais clássico, é o paciente “ouvir vozes” em sua cabeça que o mandam fazer coisas que ele não quer, ou que são contraditórias. O esquizofrênico sofre com diversas variações mentais, cognitivas e sensoriais, a tal ponto de perder o contato com a realidade, e confundir a atividade interior do pensamento com a realidade efetivamente existente e exterior; um dos esquizofrênicos mais famosos é o genial John Forbes Nash, que teve sua vida tratada no ótimo filme “Uma mente brilhante”; Nash, quando saudável, escreveu ótimos trabalhos sobre economia, biologia e teoria dos jogos, aprendeu a conviver e a controlar suas alucinações, e ganhou vários prêmios e renome intelectual. Nash seria um ótimo exemplo para os nossos democratas-cristãos, se aprenderem a conviver com seus traumas, a controlar sua alma partida, e tratar sua fraqueza, talvez consigam ser melhores políticos, e passem a se preocupar mais com a liberdade e com uma vida justa para a população, e menos com dogmas anacrônicos.

Muitos de nossos políticos, mesmo que não declaradamente democratas-cristãos, ou não-membros das alas fundamentalistas que se espalham pelo congresso e pelas câmaras do país, ainda ouvem, por questões culturais e educacionais, a voz cristã mandando eles “fazerem coisas”; o próprio povo, defensor da democracia e cristão desde sempre, continua ouvindo vozes. A questão que fica é, já começamos a perder o contato com a realidade? Se nos sentimos confusos com o processo político atual, talvez então, infelizmente, possamos respoder que sim.

 

*Há quem diga que esse trauma é grego antes de tudo, e tem a ver com a morte de Sócrates e a sequente desilusão platônica com a democracia da época, não vai dar tempo de entrar no mérito, mas seria interessante trazer à discussão Hannah Arendt, que no fundo, confirma a “tese” nietzschiniana de que o cristianismo não passa de platonismo para o povo.

¹Não confundir com o “Barras Bar”, lendário boteco localizado na região do Abranches.

²Não confundir com Joseph Pilates, lendário inventor do método “pilates” para tratamento de coluna.

1 Comentário

Filed under cultura, opinião

Pearl Jam em Curitiba por M. Drugba

De todos os shows que eu já vi na minha vida, raras vezes tive a oportunidade de testemunhar uma apresentação tão completa como a que o Pearl Jam realizou na semana passada aqui em Curitiba (para ser mais preciso, quarta-feira dia 9 de novembro no estádio do Paraná Clube). Uma banda sem preguiça de tocar, um verdadeiro desfile de boas canções e um bom lugar para realizar a apresentação. Aliás, sobre o lugar, sempre achei que shows em estádios de futebol são muito mais legais que aqueles feitos em lugares “alternativos”. Parece que o formato arena é feito sob medida para shows. Acho que todos os que estiveram lá gostaram muito do lugar. Tomara que essa idéia de frutos e Curitiba tenha um “novo” lugar para realizar shows de grande porte.

Mas sim, sobre o show. Bem, como eu estava dizendo, o lugar foi apenas mais um elemento para compor a belissima apresentação. Depois da banda de abertura, os veteranos do “X”, que só foram realmente aplaudidos quando Eddie Vedder subiu ao palco para cantar junto, a banda principal entrou. A primeira mudança no setlist foi a música de abertura “Go”, do disco “Vs” de 1993, que incendiou o lugar. Uma abertura a altura de um bom show de rock. A segunda música, “Arms Aloft”, era totalmente desconhecida para mim. Até cheguei a achar que era uma inédita, mas na verdade se tratava de um cover da banda Mescaleros de Joe Strummer. A canção era boa e não desanimou, pois foi imediatamente seguida por outro classico do disco “Vs”, “Animal”, que novamente colocou fogo no público. Outra música até então desconhecida foi a quarta tocada “Olé”, essa sim uma canção inédita que deverá estar no próximo disco. Depois de todas essas surpresas, a banda começou a executar clássico atrás de clássico, começando pela belissima balada “Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town”, seguida do hit “Corduroy” presente no álbum “Vitalogy” de 94, “Given to Fly” que levou todos ao delirio, outra linda balada “Dissident”, a agitada “The Fixer”, do mais recente trabalho de estúdio e o inesquecível clássico do primeiro disco “Even Flow”.

Nesta parte do show, outra grata surpresa, talvez a canção do grupo que eu mais goste, “In Hiding” do disco “Yield” de 1998, sabiamente incluída pela banda no repertório desta apresentação. Sinceramente, eu nem esperava ver a banda tocar essa, mas aconteceu e foi graças ao excelente costume da banda de variar seus setlists, aliás, coisa de quem é muito bom no que faz. Nesta primeira parte do show o PJ executou ainda: a inusitada “Setting Forth”, canção que abre o disco solo do vocalista Eddie Vedder, “Not for You” também do “Vitalogy”, a mais ou menos “Red Mosquito” e três inspiradas canções do mais puro rock n´roll: “Got Some” do disco “Backspacer” de 2009, “Word Wide Suicide” de 2006 e a excelente “Porch” do álbum “Ten” de 1991.

Para começar o primeiro bis, mais algumas belas baladas, “Just Breath” de 2009, “Off He Goes” do disco “No Code” e uma das melhores canções da banda, “Unthought known” também de 2009. O espetáculo seguiu com “Supersonic”, “Breath” e as antigas “Black” e “Jeremy” que levantaram todos os presentes. Nova pausa e a banda volta para o segundo bis com “Betterman”, “Leaving Here”, a raríssima “Footsteps”, os clássicos “Once” e “Alive” e a surpresa que na minha opinião valeu o ingresso sozinha: “Baba O’Riley” do The Who. Finalizando com chave de ouro esta memorável apresentação, a banda ainda tocou “Yellow Ledbetter”, bonita canção presente na compilação “Lost Dogs” de 2003.

9 comentários

Filed under cultura

Quase que magicamente… Por Murilo.

“Alô criançada o Opinião chegou!” Trocadilhos bestas à parte, o texto de hoje será exatamente sobre as crianças desse mundão; esses serzinhos infantes, pueris, ingênuos e inofensivos. Será?

Recentemente tive um rápido contato com um texto interessante de um pensador chamado Neil Postman, “O Desaparecimento da Infância.” Postman foi um crítico ferrenho da submissão da cultura à tecnica, e também grande estudioso das relações entre mídia e educação. Segundo ele, a infância é uma criação moderna, que surge junto com o aparecimento da imprensa e com a universalização da educação. Antes desses eventos as crianças eram vistas como “mini-adultos”, assim que tinham condições físicas suficientes já acompanhavam os adultos em seus trabalhos, já tinham contato com conversas adultas, já presenciavam, sem maiores restrições, cenas de violência e de sexo. E agora, na nossa pós-modernidade¹, vencida a era mecânica das telecomunicações e da educação, quando da explosão da era digital e do advento da internet, momento em que tempo e espaço se tornam meros detalhes no acesso à informação, enfim, época em que a ciência e a tecnologia se arrogam a ponta da evolução do entendimento humano; vemos as crianças de novo, como na época pré-moderna, com livre acesso a todo tipo de conteúdo adulto, terror, horror, brutalidade, violência, sexo, enfim, a curiosidade é morta com um clic. Fato que joga muita água no moinho de Postman; um exemplo forte de como a técnica ajuda a universalizar a barbárie.
A coisa fica ainda mais séria quando a gente vê pessoas cheias de boa intenção aumentando o problema com ações “pouco pensadas”, para ser educado. É o caso do movimento – que conta com um título ótimo, diga-se de passagem – “Faça amor, não faça pornô.” Trata-se de um movimento criado por uma mulher que começou a sentir os efeitos dessa universalização da ignorância. Ela constatou, de maneira radicalmente empírica, que seus parceiros sexuais mais jovens obedeciam um padrão de péssimo gosto na hora da transa – truculência, falta de romantismo, de compreensão, etc. A conclusão retirada de sua pesquisa de campo é a de que os homens agem assim porque estão se educando sexualmente do modo mais errado possível, e cada vez mais cedo: por meio da indústria do cinema pornô, aonde, sabidamente, a mulher é reduzida a uma coisa com a qual o homem se masturba – uma boneca inflável de carne e osso – e que com a internet, se tornou cada vez mais acessível. Eis o texo na íntegra – http://revistatpm.uol.com.br/revista/112/reportagens/faca-amor-nao-faca-porno.html – Gostaria de chamar a atenção para um dado interessante do texto: Um terço dos garotos ingleses com 10 anos de idade já tiveram acesso à conteúdo pornográfico. Muitas vezes antes mesmo do primeiro beijo eles já viram uma dupla penetração, e pior, com uma atriz pornô que fingia um prazer absurdo, mesmo com – ou por causa da, muitas vezes – dor. Isso tudo torna, de fato, o movimento muito legítimo, isso é: Jovem², o que você assiste em “Brasileirinhas” não é a realidade, se animal!
Muitas perguntas poderiam ser feitas a partir daqui, desde por que as atrizes pornôs se sujeitam a esse tipo de tratamento e a passar essa imagem, até por que diabos essa tiazona da entrevista insiste em sair com esses moleques imbecis. Mas o problema nessa história toda, e que eu gostaria de chamar a atenção, é a solução apresentada pela publicitária: criar um cinema pornô “mais realista” e que inclua a visão “feminina e feminista”. Quer dizer, se o problema é o aceso à pornografia por crianças cada vez mais novas e a influência que isso acarreta na formação delas, aumentar a quantidade de filmes pornográficos e criar um novo sub-gênero de filmes não vai ajudar a reduzir o problema. Por mais que se trate de um gênero “mais justo” de sacanagem, a boa e velha sacanagem clássica não vai acabar. E vale lembrar que a maioria dos homens procuram filmes pornôs para se masturbar e não para ter aulas sobre romantismo, e assim eles vão continuar a produzir e assistir os filmes clássicos. O máximo que esse novo gênero vai conseguir é aumentar a atração de mulheres por pornografia. Mas o problema persistirá. Mais uma vez vale lembrar aquela velha máxima de Gahndi sobre a violência: “Não dá para combater a escuridão fazendo mais escuridão.”³

Quando é que as pessoas vão entender que a internet é um espaço público, assim como uma praça pública? Quer dizer, se você não permite, racionalmente, que seu filho fique fazendo o que quer, na hora que quer, livremente, sem supervisão, em uma praça pública, por que raios permite então que ele faça o que quer na internet? Um criança não precisa de um computador pessoal de uso exclusivo em seu quarto, não precisa de um laptop, não precisa de um celular com acesso à internet, nada disso, em caráter privado, contribui para a formação dela; e é bobagem pensar que aqueles programas de “controle de conteúdo” podem substituir a supervisão paterna, pois se até um macaco treinado consegue desbloquear aquilo imagine uma criança de 11 anos que vive nessa “era digital” há… 11 anos! E, pior, se o macaco e a criança que, via de regra, não são mal-intencionados e sim curiosos, conseguem desbloquear, imagine um pedófilo, que além de tudo é mal-intencionado. Portanto, acredito que a verdadeira campanha, que além de legítima seria eficiente, é: “Não de a uma criança algo de que ela não precisa e que pode eventualmente lhe prejudicar!”4 Confesso que não acredito no sucesso de uma tal campanha por dois motivos: primeiro pelo título horrível, que traça o exato corte entre eu e a tiazona lá, ela é publicitária e eu pretenso filósofo. E segundo, e mais importante,a campanha prega a restrição ao consumo, e nossa sociedade se mata mas não para de comprar.

Para finalizar gostaria de colocar uma pergunta: de onde é que vem o impulso “anti-edipiano” pós-moderno de acreditar que as crianças estão por aí sem pai nem mãe? E mais, será que além de regredirmos moralmente, transformando as crianças de novo em “mini-adultos” pré-modernos, regrediremos cientificamente a ponto de acreditarmos de novo na geração espontânea? Na idade média existia uma famosa receita para se produzir ratos, era só misturar num lugar pouco movimentado e escuro, panos velhos e restos de comida, que os ratos brotavam desses materiais – acreditava-se que a vida pudesse vir do não-vivo. Qual seria a receita atual para a formação de um a pessoa? Dois seres humanos se unem, transam, e de repente, não mais que de repente, um mini-adulto vem ao mundo e com o passar do tempo ele, do nada, sem a interferência das pessoas que o trouxeram ao mundo, ele se torna uma pessoa, quase que magicamente.

1 – Que de “pós” não tem lá tanto assim, é verdade, está mais para “Hiper-Modernidade”.

2 – Nada é melhor para fazer alguém se sentir muito velho do que dar um conselho, e pior, começar esse conselho com a palavra “Jovem”!

3 – Se não for exatamente isso, é coisa parecida.

4 – Por isso não fiz publicidade e propaganda, sou péssimo com títulos.

10 comentários

Filed under bom gosto, Filosofia de Butéco (Botéco), opinião

Mais alguns discos e trálálá… por M. Drugba

Já que este texto é sobre música, falarei um pouco sobre o Rock in Rio. Parece que nem faz tanto tempo assim desde a última edição aqui em terras tupiniquins. Agora que a poeira baixou, o que podemos dizer sobre a edição deste ano? Lembro que fiquei definitivamente decepcionado na época do Rock in Rio 3 com os artistas escolhidos para o festival. Imagino que isso deve ter acontecido com muita gente desta vez. Tivemos muita música sim. Mas tivemos pouco rock. Menos ainda se você for levar em conta a qualidade. Tivemos o Motorhead. Tivemos o Metallica capengando. Slipknot e System of a Down detonaram. Até a Amy Lee e Cia foram melhores que algumas atrações principais. Axl Rose? Aquilo no palco do último dia do festival era uma sombra distorcida, corrompida e sem um pingo de inspiração artistíca. O que eu não entendo é como atrações tão fracas, decadentes e cuspidas foram parar no “maior festival brasileiro de música”, enquanto temos nos próximos meses atrações tão mais resplandecentes. Faith no More está prestes a desembarcar no país, Eric Clapton e Machine Head já vieram e dentro de alguns dias teremos também o Pearl Jam. Bom, mas é isso aí né? Se brasileiro tivesse sorte, nascia na Dinamarca. Feito o desabafo, vamos a lista de discos que eu preparei para esse post:

Symphony X – Iconoclast: O symphony X é uma das mais respeitadas bandas de prog metal da atualidade, e é conhecida justamente pela característica mais marcante do seguimento: a técnica. Além disso, o grupo desfila em suas canções uma mistura de peso e melodia sempre, repito, sempre primando pela técnica. Comentarei aqui o mais recente lançamento da banda, “Iconoclast”, que saiu em junho deste ano. Seguindo a mesma linha de seu antecessor “Paradise Lost”, de 2007, o albúm vem com proposta mais “dark” tanto na temática, que fala da relação do homem com as máquinas, quanto no som. A bolacha abre com a poderosa faixa título “Iconoclast”, aliás, como tem que ser em um disco do Symphony X. Com pouco mais de dez minutos, esta canção tem todos os elementos que caracterizam a banda. A segunda música, “End of Innocence”, é bem menos épica, mas compensa na pegada. O riff de guitarra principal guia e perpassa toda a canção com peso na medida certa. Um refrão carismático e cativante também faz desta uma das melhores canções do disco. Já “Dehumanized” é um pouco mais fraca, mas tem um bom riff nas estrofes, cadenciado e agradável. Aqui fica uma dica: de maneira geral, quando uma música do Symphony X te decepcionar, preste atenção no poderoso gogó de Russell Allen.Vai valer a pena.”Bastards of the Machine”, a quarta faixa, é seguramente a melhor, um verdadeiro tributo a inteligência musical. Destaque para a fantástica construção dos solos de guitarra e teclado, para o refrão nervoso e para a voz de Russell Allen. Quanto a “Heretic” e “Children of a Faceless God”, as duas próximas músicas, são um tanto quanto comuns e padronizadas, mas o padrão da banda é alto, muito alto, então, isso acaba sendo bom. A sétima canção,”Electric Messiah”, é veloz e furiosa e chega levantando tudo para cima de uma vez. A banda soube muito bem alternar entre as músicas pesadas e as mais trabalhadas. Este é o caso de “Prometheus (I am alive)”, milimetricamente projetada para ser uma canção de prog metal, com diversos altos e baixos, construções musicais complexas e com Russell Allen matando a pau novamente. O modo como ele canta as primeiras frases chega a dar medo, uma fúria espantosa estampada na voz do rapaz. A última canção é “When All is Lost” e começa com uma linda melodia no piano que vai evoluindo na intensidade. A soma dos outros instrumentos, principalmente dos fraseados da guitarra de Michael Romeo, faz com que a canção vá se tornando cada vez mais interessante. Uma balada muito bem trabalhada, com vários momentos distintos e com uma qualidade muito boa. A versão especial do disco conta ainda com 3 músicas bônus, a melódica e rápida “Light Up the Night”, a fraca “The Lords of Chaos” e a montanha russa rítmica “Reign in Madness”.

Machine Head – The Blackening: Poderiamos resumir o albúm todo em uma conta muito simples: porrada + porrada e + porrada. Lançado em 2007, “The Blackening” foi considerado, com razão aliás, o melhor disco de trash metal em mais de 15 anos. Sim, afinal, os últimos bons discos do genêro foram lançados na década de 80 pelas poderosas e cultuadas bandas do estilo na época. O Machine Head, formado posteriormente, não é desta “safra” e por isso é notável que depois de tantos anos conceba uma obra cuja característica principal seja justamente a até então perdida pegada trash metal, que tanto encantou e emocionou os bangers no passado. Analisando música por música, o disco começa com a inexplicável “Clenching the Fists of Dissent”, uma canção que pode ser descrita como um vai e vem quase enloquecedor de mudanças de temas, timbres e velocidade. Simples assim. “Beautiful Morning” é outra pedrada, rápida e violenta que, aliás, escancara uma das características mais fortes da banda, duramente criticada por muitos, mas que para mim é um ponto positivo, a variação vocal de Rob Flynn. Riffs e mais riffs numa sequência alucinante. A terceira canção, “Aesthetics of Hate”, é ódio puro. Preste atenção em sua letra, um protesto às declarações de um jornalista sobre o falecido guitarrista do Pantera, Dimebag Darrell. Musicalmente, eu ressalto novamente a monstruosa variação rítmica presente na obra inteira, prova disso é o fim desta canção, onde a banda cria uma atmosfera sombria, uma especie de ‘mantra do mal”. Muito bom. E inovador também. Aliás, é de forma inovadora que vem “Now I Lay Thee Down”, uma peça repleta de ousadia que vai lentamente desfilando outros temas, o peso aumentando e a velocidade também, para depois retornar a ideia inicial. “Slanderous” também se destaca, com seus poderosos riffs de guitarra e uma levada na bateria que cansa só de ouvir. Uma canção um pouco diferente é “Halo”, com uma proposta mais progressiva, vai gradativamente aumentando seu poder para culminar em um refrão melódico e bonito. Finalmente, “Wolves” poderia ser descrita como uma das melhores músicas de trash metal da história, e a derradeira “A Farewell to Arms”, com seus altos e baixos, um final adequado a este grande albúm.

System of a down – Steal this album: Ah sim, depois daquele extenso desabafo sobre o Rock in Rio no começo do texto, eu não poderia deixar de comentar pelo menos um disco de uma das bandas participantes do festival. Já falamos muitas vezes do System of a Down aqui no blog, mas é a primeira vez que eu vou comentar um disco deles. Optei por um albúm não muito conhecido, o Steal this Album, de 2002. O que era para ser inicialmente um disco de sobras de gravação, tornou-se um dos melhores discos da carreira da banda (na minha opinião, é claro). O título é uma brincadeira/referência ao livro de Abble Hoffman intitulado “Steal this Book”. Quanto a música, o album é pesado, violento e poderoso. Colocar o System of a Down dentro de um rótulo genérico, como muitos fazem ao chamá-lo de nu metal, é um erro. A banda é inovadora e faz algo único. Misturando música pesada muito bem tocada, letras de alto teor político e um certo tempero do oriente, a banda desfila canções que vale a pena serem ouvidas como “Innervision”, “Bubbles” e “Nuguns”. É difícil falar das canções isoladamente, mas podemos identificar algumas por suas características, “I-E-A-I-A-I-O” é a mais envolvente, “Boom!” e “Fuck the System” as mais políticas. Merecem destaque ainda “Chic N’ Stu” e “Streamline”.



6 comentários

Filed under cultura, opinião